A picanha e o cupim
Tenho pena do cara do cupim. O garçom, digo. Porque você entra num espeto corrido, senta-se e é sempre igual: todos procuram o cara do salsichão e do coraçãozinho. Um sucesso, o salsichão & coraçãozinho. Mas o garçom responsável sabe que seu momento de celebridade é fugaz como uma paixão de Carnaval. Passados os primeiros minutos, ninguém mais chama o cara do salsichão e do coraçãozinho, e ele só fica de longe, observando em silêncio ressentido o triunfo dos homens que carregam o matambre, o lombinho, a cebola empanada.
Sim, a glória do salsichão & coraçãozinho é breve. Mas ao menos ele é recebido com algum entusiasmo. Nada que se compare, claro, à festa que espera o cara da picanha. As pessoas passam certo tempo mastigando alcatras e fazendo piadas sobre o vazio, mas o que aguardam de fato é a picanha. É por causa da picanha que estão ali.
Quando o cara da picanha chega, as conversas cessam, os olhares se voltam para ele, todos o solicitam: eu quero!, eu aceito!, mais um pedaço bem fininho! O cara da picanha é eternamente requisitado e seu retorno só deixa de ser reivindicado quando as compotas de sagu aterrissam na toalha. Suponho que ganhe mais, o cara da picanha. Ele não é qualquer um. A gente logo percebe pela forma altiva com que se locomove entre as mesas, pelo olhar superior que envia para a vulgar costela.
Agora, quem é realmente desprezado pelo garçom da picanha é o cara do cupim. E não só pelo da picanha: ninguém lhe dá atenção. Ele pára numa mesa. Vai perguntando: cupim?, cupim? Ninguém quer. Nunca. Uns nem se dão o trabalho de esponder. Nem olham para ele. Não estou entre esses insensíveis. Sempre observo o cara do cupim. Sei que é um magoado, um humilde rechaçado, triste e perenemente esperançoso com seu cupim intacto.
O cara do cupim deve se sentir como um funcionário público. Com uma diferença: o funcionário público, por atender a toda a comunidade, devia ser o mais valorizado. O funcionário público é quem devia ganhar mais e ter as melhores condições de trabalho. Mas não no Brasil. No Brasil, um governador ganha R$ 7 mil e as pessoas acham demais. No Brasil, economiza-se em infra-estrutura e sepermite o caos de serviços como o do INSS. No Brasil, o funcionário público é tratado como um fornecedor de cupim, enquanto, na verdade, ele é o da picanha.
Só que é o seguinte: mesmo que o funcionário público fosse o do cupim, mesmo assim não mereceria tal tratamento. Porque o cara do cupim também tem um coração! Eu, inclusive, confesso: não gosto muito de cupim. Prefiro picanha. Mas sempre peço cupim nos espetos-corridos, em desagravo ao cara do cupim. E, se o cara do cupim está por perto quando o da picanha chega, simplesmente recuso a picanha, por mais sumarenta que aparente. Brado:
— Não, obrigado. Prefiro cupim!
Então, noto com júbilo a decepção no rosto orgulhoso do garçom da picanha e o lume agradecido no olhar do tão sofrido cara do cupim.
Fonte: Blog do David - ZH
Fonte: Blog do David - Zero Hora