Essa angústia prosseguiu até uma segunda-feira à noite. Eleu passara o dia de folga. Os dois estavam no sofá da sala, vendo Big Brother. Então, entre um comercial e outro, a Luize Altenhoffen surgiu com todas as suas curvas na tela da TV.
— Troço de doido! — suspirou Eleu.
— Garanto que é tudo plástica — desdenhou a mulher.
A oportunidade! Eleu se aprumou no sofá.
— Meu bem — começou. — Diz uma coisa: se pudesse mudar algo em você, o que você mudaria?
Ela também entesou:
— Por quê?
Eleu sentiu que entrava num terreno acidentado. Era preciso ter cuidado. Muito cuidado...
— Só curiosidade...
— Você acha que preciso mudar algo?
Agora o terreno era minado. Qualquer passo em falso faria explodir os fundilhos de Eleu. Que vacilou:
— Você? Não... Não é isso... Bom, ninguém é perfeito, né?
— Em que eu não sou perfeita?
Eleu se encontrava em estado de alerta máximo. Chegara a uma encruzilhada: se ninguém é perfeito, ele teria de citar um defeito dela. Se tentasse ser genérico, falando em "vários pequenos defeitos", seria ainda pior. Ela berraria: "Vários?!?" E ficaria fula. Ou seja: ele teria de revelar qual o defeito.
Olhou para ela. Aguardava a resposta muito ereta, sentada na ponta do sofá, estudando-o com toda a atenção. Eleu sabia que uma mulher, quando entra nesse estado de vigilância, fica atenta às minúcias mais reveladoras. Ele não poderia mentir. Não mentiu.
— Talvez o seu nariz — arriscou, ainda tentando ser diplomático. E, como se a idéia tivesse lhe surgido naquele instante, acrescentou: — É. Talvez o nariz.
Ela abriu a boca, encarou-o, piscante, e havia perplexidade em seu olhar. Agarrou o nariz com os dedos da mão direita.
— Meu nariz? — balbuciou.
— É... Sei lá... Um pouco. Bem pouco. Nada que uma plástica não resolva. Se você quisesse, eu pagaria uma plástica... Mas não é nada grave, de jeito nenhum...
A mulher fitava o vazio, ainda com o nariz escondido pela mão. Em seguida, olhou para um lado e outro da sala, como se procurasse uma saída. Eleu prendeu a respiração, em expectativa. Quando ela voltou a encará-lo, havia lágrimas em seus olhos. Ele se arrependeu de imediato. Achou-se um insensível. Uma beta. Gostava tanto dela! Queria voltar atrás. Aproximou-se:
— Meu bem, eu...
Mas ela escafedeu-se correndo da sala, aos prantos. Trancou-se no banheiro e de lá só saiu tarde da madrugada, quando as sombras lhe disfarçavam as formas do nariz repudiado.
Porém, no dia seguinte, sentados à mesa do café, ela comunicou a Eleu que decidira aceitar a proposta: se submeteria à plástica. Mas com o melhor cirurgião. Eleu se deixou tomar pelo entusiasmo:
— Eu pago o melhor! Eu pago! O melhor!
Dias depois, ela aterrissou na mesa de operações do mais famoso cirurgião plástico da cidade. Saiu de lá com faixas no rosto e recomendações na cabeça.
Os dias que se sucederam foram de tensão para Eleu. Será que ficaria bom? Ou ela emergeria da cirurgia virada num Michael Jackson? Se ficasse ruim, o que ele faria? Por favor, teria de continuar casado com aquela mulher pela eternidade com qualquer nariz, mesmo que fosse o do Gerard Depardieu. Lógico: o novo nariz era responsabilidade dele, Eleu. Jesus Cristo!
Enfim, chegou o dia. As faixas seriam retiradas. O coração de Eleu se lhe cavalgava no peito. Uma faixa se foi. Outra. Mais outra. Na última... Cristo!
Ficou ótimo. Sua mulher estava linda. O nariz até se parecia com o antigo, as mudanças eram sutis, mas definitivas. Eleu sorriu, contente: agora, sim, ele tinha uma mulher que rivalizava com as dos seus colegas jogadores de futebol.
— Meu amor — gemeu ele, abraçando-a, emocionado. — Meu bem, você está linda. E fez isso por mim. Porque pedi! Faria qualquer coisa por você.
Ela ergueu as sobrancelhas:
— Qualquer coisa?
Ele riu:
— Claro. Qualquer coisa!
— Até uma cirurgia?
Eleu limpou a garganta, inquieto. Cirurgia? Haveria algo de errado com seu nariz? Bem, se houvesse, tudo bem, ele se submeteria à operação. Ela merecia. Merecia! Abrandou a voz:
— Que cirurgia, meu bem?
— Bom, querido, existem umas técnicas de aumento do pênis que são bastante eficientes, já me informei.
Eleu sentiu o sangue empedrar nas veias. E lamentou ter desejado algum dia estar casado com uma mulher de jogador de futebol.