Eleu não gostava do nariz da sua mulher. Gostava de tudo nela, menos do nariz. O que bastava para incomodá-lo. Não que o nariz fosse grande; era simplesmente feio. Adunco. Como o de uma ave aziaga. No começo do namoro, ardendo nas labaredas da paixão, o nariz não o afligia tanto. Agora, não conseguia fitá-la nos olhos sem desviar o olhar um centímetro para o sul e sentir uma inquietação que o impedia de pensar em outra coisa.
Lembrava das mulheres dos seus colegas. Loiras estonteantes. Siliconadas. Bronzeadas por aqueles fornos de microondas gigantes. Eram autênticas mulheres de jogadores de futebol, sim, senhor! A sua não. Loira, está certo, mas discreta em demasia, sem silicone algum, e com um nariz de caturrita. Quando ele estava começando na carreira podia admitir uma discreta. Mas hoje, com o sucesso lhe rendendo manchetes, a titularidade conquistada, a possibilidade de ser até goleador do campeonato, hoje ele precisava de uma mulher com narizinho de Nicole Kidman.
Tinha de tomar uma atitude: tinha de dizer a sua mulher para fazer uma plástica no nariz.
Eis o problema: como falar para uma mulher que ela necessita de uma plástica no nariz? Ela vai ficar ofendida, óbvio. Vai ficar triste. Você nunca mais se recuperará com ela. Só que o casamento de Eleu não sobreviveria àquele nariz. Jesus, como abordar o assunto?
Essa angústia prosseguiu até uma segunda-feira à noite. Eleu passara o dia de folga. Os dois estavam no sofá da sala, vendo Big Brother. Então, entre um comercial e outro, a Luize Altenhoffen surgiu com todas as suas curvas na tela da TV.
— Troço de doido! — suspirou Eleu.
— Garanto que é tudo plástica — desdenhou a mulher.
A oportunidade! Eleu se aprumou no sofá.
— Meu bem — começou. — Diz uma coisa: se pudesse mudar algo em você, o que você mudaria?
Ela também entesou:
— Por quê?
Eleu sentiu que entrava num terreno acidentado. Era preciso ter cuidado. Muito cuidado...
— Só curiosidade...
— Você acha que preciso mudar algo?
Agora o terreno era minado. Qualquer passo em falso faria explodir os fundilhos de Eleu. Que vacilou:
— Você? Não... Não é isso... Bom, ninguém é perfeito, né?
— Em que eu não sou perfeita?
Eleu se encontrava em estado de alerta máximo. Chegara a uma encruzilhada: se ninguém é perfeito, ele teria de citar um defeito dela. Se tentasse ser genérico, falando em "vários pequenos defeitos", seria ainda pior. Ela berraria: "Vários?!?" E ficaria fula. Ou seja: ele teria de revelar qual o defeito.
Olhou para ela. Aguardava a resposta muito ereta, sentada na ponta do sofá, estudando-o com toda a atenção. Eleu sabia que uma mulher, quando entra nesse estado de vigilância, fica atenta às minúcias mais reveladoras. Ele não poderia mentir. Não mentiu.
— Talvez o seu nariz — arriscou, ainda tentando ser diplomático. E, como se a idéia tivesse lhe surgido naquele instante, acrescentou: — É. Talvez o nariz.
Ela abriu a boca, encarou-o, piscante, e havia perplexidade em seu olhar. Agarrou o nariz com os dedos da mão direita.
— Meu nariz? — balbuciou.
— É... Sei lá... Um pouco. Bem pouco. Nada que uma plástica não resolva. Se você quisesse, eu pagaria uma plástica... Mas não é nada grave, de jeito nenhum...
A mulher fitava o vazio, ainda com o nariz escondido pela mão. Em seguida, olhou para um lado e outro da sala, como se procurasse uma saída. Eleu prendeu a respiração, em expectativa. Quando ela voltou a encará-lo, havia lágrimas em seus olhos. Ele se arrependeu de imediato. Achou-se um insensível. Uma beta. Gostava tanto dela! Queria voltar atrás. Aproximou-se:
— Meu bem, eu...
Mas ela escafedeu-se correndo da sala, aos prantos. Trancou-se no banheiro e de lá só saiu tarde da madrugada, quando as sombras lhe disfarçavam as formas do nariz repudiado.
Porém, no dia seguinte, sentados à mesa do café, ela comunicou a Eleu que decidira aceitar a proposta: se submeteria à plástica. Mas com o melhor cirurgião. Eleu se deixou tomar pelo entusiasmo:
— Eu pago o melhor! Eu pago! O melhor!
Dias depois, ela aterrissou na mesa de operações do mais famoso cirurgião plástico da cidade. Saiu de lá com faixas no rosto e recomendações na cabeça.
Os dias que se sucederam foram de tensão para Eleu. Será que ficaria bom? Ou ela emergeria da cirurgia virada num Michael Jackson? Se ficasse ruim, o que ele faria? Por favor, teria de continuar casado com aquela mulher pela eternidade com qualquer nariz, mesmo que fosse o do Gerard Depardieu. Lógico: o novo nariz era responsabilidade dele, Eleu. Jesus Cristo!
Enfim, chegou o dia. As faixas seriam retiradas. O coração de Eleu se lhe cavalgava no peito. Uma faixa se foi. Outra. Mais outra. Na última... Cristo!
Ficou ótimo. Sua mulher estava linda. O nariz até se parecia com o antigo, as mudanças eram sutis, mas definitivas. Eleu sorriu, contente: agora, sim, ele tinha uma mulher que rivalizava com as dos seus colegas jogadores de futebol.
— Meu amor — gemeu ele, abraçando-a, emocionado. — Meu bem, você está linda. E fez isso por mim. Porque pedi! Faria qualquer coisa por você.
Ela ergueu as sobrancelhas:
— Qualquer coisa?
Ele riu:
— Claro. Qualquer coisa!
— Até uma cirurgia?
Eleu limpou a garganta, inquieto. Cirurgia? Haveria algo de errado com seu nariz? Bem, se houvesse, tudo bem, ele se submeteria à operação. Ela merecia. Merecia! Abrandou a voz:
— Que cirurgia, meu bem?
— Bom, querido, existem umas técnicas de aumento do pênis que são bastante eficientes, já me informei.
Eleu sentiu o sangue empedrar nas veias. E lamentou ter desejado algum dia estar casado com uma mulher de jogador de futebol.
Blog do David de ZH
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