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Justica cega

Categorias | Postado em 08:36

Parte 3

Em depoimentos prestados à Polícia Civil e ao Ministério Público, na semana passada, a adolescente que ficou presa com 20 homens numa cela afirmou que pelo menos duas vezes avisou que era menor de idade. A afirmação desmente a versão do delegado-geral do Pará, Raimundo Benassuly, que na terça-feira disse que ela tem problemas mentais por não ter avisado que era menor de 18 anos. Ele foi exonerado do cargo, após as declarações.

A jovem afirmou ter nascido em dezembro de 1991 e, portanto, tem, hoje, 15 anos. Nos depoimentos, ela deu mais detalhes da prisão e das relações sexuais a que foi forçada a manter dentro da cela. A adolescente confirmou que foi ameaçada de morte pelos três policiais que a prenderam, caso tornasse público o episódio. A jovem disse ainda que informou à delegada Flávia Verônica que era "de menor" quando foi detida, no dia 21 de outubro, mas que não adiantou. Os mesmos policiais que a prenderam a levaram para a cela. Ela contou que foi forçada a manter relações sexuais com um detento, de nome Beto, que a pegou à força e a levou para o banheiro minúsculo que nem sequer é separado por uma porta. Segundo a adolescente, no dia seguinte, manteve relações com outro preso, de nome Dinei, dessa vez em troca de alimento.

— Devido à fome que passou, acabou aceitando a proposta .

Ela ainda manteve relações sexuais com outras três pessoas, mas lembrou o apelido de apenas um, Chupa Cabra. Em outro trecho, a jovem contou que o preso Beto queimou seu pé, quando estava dormindo. Ela confirmou a informação de que passou três dias no cais, após o mês em que ficou detida, e foi deixada lá pelos três policiais que a prenderam. Eles a mandaram desaparecer, por isso, ela "decidiu pegar um barco, mas não houve tempo".

Imagens de celular com cenas de estupros de uma jovem dentro de uma cela em Abaetetuba, no Pará, chocaram deputados da Comissão do Sistema Carcerário. Os parlamentares acompanham as investigações do caso da adolescente de 15 anos que passou cerca de um mês presa com homens.

O deputado Zenaldo Coutinho (PSDB-PA), que viu as cenas, diz não ser possível afirmar com certeza se a mulher que sofre abusos é a garota, mas ele afirma não ter dúvidas de que a cela é a mesma. As cenas mostrariam uma fila de homens tendo relações com uma jovem, com a delegacia em "algazarra". Ainda de acordo com o parlamentar, as imagens foram oferecidas a um assessor da deputada Elcione Barbalho (PMDB-MA), durante uma reunião do Conselho Tutelar, por um homem não-identificado, que afirmou que a gravação foi feita por um policial. O vídeo está agora em poder do Ministério Público, no Pará.

Ao saber da gravação, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) divulgou nota contra o que classificou de "cenas degradantes" e pediu o afastamento de todos os 25 agentes da Polícia Civil de Abaetetuba.

— Entendo que toda a Polícia Civil lotada em Abaetetuba deva ser destituída. Vamos querer saber quem gravou essas imagens — afirmou Ângela Sales, presidente da OAB no Pará.

Ela disse que a gravação está sendo mantida em sigilo para não colocar em risco as pessoas envolvidas.

Em reunião na OAB do Pará, o bispo de Abaetetuba, dom Flávio Giovenalli, afirmou ontem que "seria melhor se a Polícia Civil de Abaetetuba não existisse". Uma comissão formada pela entidade identificou outras quatro detentas que dividiram cela com presos no estado. O nome das mulheres não foi revelado, por motivos de segurança, mas os casos serão encaminhados à Procuradoria-Geral de Justiça, à corregedoria da Polícia e ao Ministério da Justiça.

Deputados da CPI do Sistema Carcerário também identificaram uma detenta que teria dividido cela com homens por três anos. Ela afirmou que ficou detida em Cametá, no nordeste do Pará, e que era obrigada a manter relações sexuais com os presos.

— Tinha medo de estar sozinha lá. Eles queriam me matar. Aí eu convivi. Eu tinha que fazer. Engravidei duas vezes, afirmou a mulher.

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