Naquela manhã, ela contou uma coisa. No dia em que completavam um mês de casados, durante a hora amena do café da manhã, enquanto ele derramava leite nos sucrilhos, ela balbuciou a frase angustiante:
— Tenho que te contar uma coisa.
Ele estremeceu. Um pouco de leite respingou na toalha da mesa. Quando uma mulher diz isso, que tem de contar uma coisa, nunca é coisa boa.
— Que c-coisa? — ele gemeu.
— Uma coisa minha.
Era algo grave. Algo sério. Pela expressão dela, pela forma como proferiu a frase, ele temeu o pior. Justo naquele dia em que estava tão nervoso. O dia do Gre-Nal. Ela sabia muito bem que o dia do Gre-Nal era aflitivo para ele, que na véspera ele não conseguia nem dormir. E talvez...
É... talvez fosse por isso mesmo que ela havia escolhido justamente aquele dia para fazer a confissão. Tinha lógica. Não existia mais dúvida: era o pior. Ela ia contar que, na verdade, torcia "para eles".
Na outra ponta da mesa, ela apertava os lábios. Como ia dizer aquilo? Como uma mulher podia confessar que um dia fora... garota de programa? Claro que jamais poderia ser considerada uma profissional. Não, não mesmo. Havia sido uma aventura amadora, uma loucura de uma semana, nada mais.
Aconteceu por acaso. Estava de férias na Espanha, na casa de uma amiga. Dois dias depois da sua chegada, a amiga revelou: trabalhava já há dois meses como uma espécie de acompanhante de luxo de empresários e artistas, um esquema muito reservado, muito discreto e muito lucrativo. Ela não queria experimentar?
Sua primeira reação foi de rechaçar a proposta, escandalizada. Não era uma qualquer. Não era uma vagabunda! Depois, a idéia foi excitando-a. Ser desejada por um homem a ponto dele pagar o salário de um pai de família para tê-la por uma única noite, ser possuída sem nenhuma consideração, só pelo prazer carnal que despertava, conhecer a extensão do seu poder animal, tudo isso fazia com que se sentisse sensual e lhe enlanguescia os membros e lhe formigava as virilhas e lhe entorpecia a mente, e ela topou.
Por uma semana, foi uma vadia.
E não podia dizer que não tinha gostado. A forma como aqueles desconhecidos a tocavam, como a apalpavam com sofreguidão, a fome que sentiam por seu corpo, e era isso que ela era, um corpo, só um corpo e nada maior e mais poderoso do que um corpo. Do que o seu corpo.
Mas o mais importante é que ela sabia: ninguém jamais ia descobrir. Era um desvario, sim, mas um desvario seguro. Só que agora, depois de casada, olhava para o marido e via tanta sinceridade em seu rosto, tanta ternura, tanta honestidade, que se sentia suja. Precisava contar. Precisava purgar aquele pecado.
Olhou mais uma vez para o rosto do marido. A ansiedade o desfigurava. Com a colher suspensa, transbordante de sucrilhos, ele implorou:
— Conta logo. Pelo amor de Deus!
Logo após fazer essa súplica, ele levou a colher de sucrilhos à boca. Começou a mastigar. Crec. Crec. Tinham sabor amargo, aqueles sucrilhos. Sabor de traição. Fazia tempo que ele suspeitava que ela, algum dia, freqüentou o lado negro da força, como ele se referia ao time "deles". Ela nunca se entusiasmava com jogo nenhum, nunca queria ir ao estádio. Um dia, ele pediu:
— Compra uma calcinha da nossa cor?
Ela se fez de desentendida. Apareceu com uma calcinha branca, sorrindo:
— O branco também é nossa cor, não é?
Era. Mas também era cor "deles". Agora, com um mês de casados, no dia do Gre-Nal, ela resolvera desabafar. Decerto avisaria que ia assistir ao jogo na torcida "deles". Já estava vendo-a sair de casa com a camisa odienta, entoando aquele hino maldito, aqueles cânticos abomináveis, oh, Cristo! Ele não conseguiria suportar! Não conseguiria! Engoliu os sucrilhos com dificuldade. Fitou-a. Lágrimas lhe turvaram os olhos. Repetiu:
— Conta logo. Conta.
Ela estalou a língua. Exalou um suspiro profundo. E falou, enfim, num só sopro de alívio:
— Eu já fui garota de programa!
Olhou para ele cheia de expectativa. Ele estava de boca aberta. Uma migalha de sucrilhos pendia-lhe do lábio, dolorosa e patética. Ele ficou vermelho, depois branco, depois vermelho de novo. Debruçou-se na direção dela. Colou o peito no tampo da mesa, manchando a camiseta do time de geléia de abóbora com cenoura, ele adorava geléia de abóbora com cenoura. Jogou as mãos para o céu. E bradou:
— Graças a Deus! Graças a Deus!
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