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Algumas mulheres doem

Categorias | Postado em 07:47

Tenho um amigo que perdeu a ilusão com as mulheres na tarde da última quinta-feira. Estávamos no bar, ele chegou, sentou-se emitindo um suspiro, fez um sinal para o garçom, que em resposta pôs um copo de chope cremoso em sua frente. Aí ele suspirou de novo. E anunciou:

— Hoje perdi a ilusão com as mulheres.

Olhamos para ele. Como assim? Ele pediu um filé a xadrez grelhado, com pão francês e redondas batatas portuguesas, e depois explicou:

— Foi hoje à tarde. Às 17 horas, pontualmente.

Perguntamos o que havia acontecido de especial às 17 horas, pontualmente. Ele disse que nada, apenas que estava no trabalho e olhou pela janela. A janela do trabalho dele dá para uma rua mais ou menos movimentada da cidade. Então, ele olhou distraidamente para a rua e viu aquela moça.

Descreveu-a com pormenores. Era morena, quase jambo. Tinha cabelos castanho-escuros e longos, e os cabelos estavam molhados, o que lhe dava um ar primaveril. Não era muito alta, nem muito baixa — pouco menos de metro e setenta, talvez.

As pernas longas estavam bem delineadas pelo jeans justo. Calçava um daqueles tamancos de seis dedos de altura, vestia uma blusinha mínima que lhe deixava à mostra o piercing dourado do umbigo. Uma roupa sumária, mas apropriada para o clima — quinta-feira fez um calor de janeiro.

Meu amigo olhou para ela e achou-a tão linda, que começou a sofrer. Porque algumas mulheres são bonitas a ponto de causar dor. O homem vê uma mulher dessas e a deseja e sabe que ela é inatingível e entende que existe um mundo melhor, mas que ele jamais vai alcançá-lo, que não é um mundo para ele, é um mundo para poucos eleitos, para homens com cartões de crédito sem limite e dentes perfeitos.

Foi isso que meu amigo sentiu, ao vê-la caminhando sobranceira feito uma imperatriz. Pensou: o que eu poderia fazer para ter uma mulher dessas? Compreendeu que não tinha chances. Que ele era um Paysandu. Foi como disse ter se sentido: um Paysandu, um Brasiliense, ou, na melhor das hipóteses, um Flamengo descaído.

Ou seja: um time sem a mínima chance de conquistar o título. Queria ser um Corinthians, um Inter, um Palmeiras ou até um Goiás, sem tradição, mas surpreendente. Não era. Não é. Meu amigo é um homem comum. Um homem dos tantos que compõem as massas anônimas.

Só que a reação dele foi a de um Vasco — concluiu que a culpa não era dele. Um Vasco bota a culpa no árbitro, no tribunal, na CBF, na sorte madrasta. Meu amigo jogou a culpa no colo macio das mulheres. Se não as possuía, era exclusivamente por causa delas. Dessas mulheres impermeáveis, dessas rainhas de riso condescendente que nos fazem sofrer, sofrer, sofrer.

Fonte: Blog do David

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