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Vingança de zagueiro

Categorias | Postado em 07:41

Vingança de zagueiro - Primeira Parte

Faltavam dois dias para a decisão. O zagueiro Altair chegou ao clube correndo. Estava aflito.

Entrou direto no banheiro. Trancou-se no segundo dos três boxes. Casinha Dois, como chamava. Sua preferida. Sentou-se. Sorriu. Alívio...

Aí viu.

Bem à sua frente, em caligrafia irregular, escrita na porta com esferográfica azul, a frase terrível:

"Keka uiva."

Pô. PÔ!!! Keka era a SUA mulher. O nome dela não devia estar ali, profanado em uma vulgar porta de banheiro de vestiário. Tudo bem, os caras escreviam bobagens nas portas de banheiros, isso era normal. Fiz melequices com a Carlinha, transei com a Betânia dentro do roupeiro, a Vânia é uma... essas coisas.

O próprio Altair já escrevera os maiores despautérios em portas e paredes de banheiros, inclusive reproduzira aquele poeminha clássico desses ambientes:

"Que coisa mais nojenta,
Que coisa mais imunda..."

O resto é impublicável.

Ou então aquela poesia imortal do Juca Chaves:

"Oh, dama por quem me aflijo, Eu vos peço: consintais
Que..."

Melhor não ir adiante.

Enfim, besteiras são escritas nas portas de banheiros. Mas agora estavam falando da mulher DELE. O que por si só já era desagradável. Porém, o inquietante, o realmente grave, era a afirmação.

Keka uiva.

Não era um xingamento — Keka é vagabunda. Não era uma bazófia — transei com Keka. Nem mesmo um elogio indecoroso — Keka é gostosona. Nada disso. Era apenas uma informação, sem entrar em juízo de valor, sem considerações e, por isso mesmo, com todo o substantivo peso da informação.

Keka uiva.

Como ele sabia?Esse pichador de portas de banheiro? Sim, porque Keka... bem, Keka uivava. No auge do prazer, no momento do gozo, uivava como uma loba com TPM. Ouuuuououououuuuu... Na primeira vez, Altair ficou espantado. Que era aquilo? Era normal? Depois, se acostumou. Só se preocupava um pouco com os vizinhos, se o namoro ocorria tarde da noite. De resto, tudo bem. Até queria que ela uivasse. Se não houvesse uivo retumbante, não houve desfrute.

Assim, a informação era verdadeira. Havia uivo. O problema continuava sendo: como o maldito sabia??? Altair nunca contara esse pormenor da vida íntima deles para ninguém. Até porque os homens não são de revelar esse gênero de detalhes aos amigos. Ao contrário das mulheres. Elas dizem tudo umas às outras — hábitos do parceiro, humores, centimetragens. Tudo. Homens, não.

Muito menos Altair. Ele era zagueiro e, todos sabem, o bom zagueiro deve ser discreto.

Altair era discreto.

Então como o desgraçado sabiaaaaa???

Altair começou a suar, na Casinha Dois. Um deles, um de seus colegas jogadores havia cometido sexo com Keka. Poderia ser qualquer um. Todos a conheciam. Volta e meia Keka aparecia no clube, e eles saíam juntos. Ela era amiga de cada um dos titulares e reservas. Até dos juniores.

Maldição.

Altair saiu da Casinha Dois angustiado. Que hora para acontecer uma tragédia daquelas, dois dias antes da grande decisão, dois dias antes do jogo da vida dele. Do jogo da vida de todos eles. O time nunca chegara tão longe, aquela era a primeira final da história do clube.

Altair caminhou taciturno para o treino. Estudava o rosto dos demais jogadores. Quem seria capaz de... daquilo? Foi o pior treino da sua vida. Justamente no último coletivo da semana. O técnico, o professor Ferreira, perguntou o que estava acontecendo com ele, por favor, Altair, não vá ficar doente às vésperas da final. Ele só rosnou. Zagueiros rosnam.

Enquanto ia para casa, Altair pensava nos colegas. Quantos freqüentavam a Casinha Dois? Quem poderia ter entrado ali com uma caneta? Qual deles era mais próximo de Keka? Em que oportunidade o miserável a... ouvira uivar?

Chegou em casa de cara amarrada. Keka estava mais carinhosa que nunca, cheia de djlébis lébis. Mas ele não queria nem saber. Olhava para ela com raiva. Tinha vontade de berrar: "Vagabunda! Traidora! Safada! Uivadora desavergonhada!" Mas não disse nada.

Até porque Keka parecia ainda mais linda. Olhar para seu rosto de querubim e pensar nela como uma traidora, isso dava a ela um ar selvagem. Keka infiel — a idéia de alguma forma o excitava. Mas também o enfurecia! Deitou-se na cama em silêncio, decidido a descobrir, de qualquer jeito, com quem ela andava uivando fora do matrimônio.

Passou a noite de olhos bem abertos, fitando uma manchinha no lustre. Keka, ao seu lado, suspirou, conformada. Ele devia estar preocupado com a decisão do campeonato, pensou. E dormiu um sono de freira. O que deixou Altair ainda mais irritado. Como ela podia dormir tão tranqüila tendo, no fundo da consciência, o estigma negro da traição? Altair estava furioso, Altair era um homem sério. Um zagueiro.

Zagueiros se vingam.

Nas horas insones, resolveu o que faria. Marcaria uma festa com todos os jogadores, na sua casa, e os observaria. Em algum momento eles se trairiam, a uivadora e o pichador de portas de banheiro. Aí, vingança! Uma vingança exemplar. De zagueiro central.

Pela manhã, foi cedo para o clube. Havia poucos jogadores no vestiário. Altair tirou a roupa. Começou a vestir-se para o treino. Então olhou para o banheiro. Talvez devesse apagar aquela inscrição. Riscá-la. Raspá-la com a chave. Foi até lá. Entrou. Fechou a porta. Sentou-se sobre a tampa do vaso.

Viu.

Logo abaixo do "Keka uiva".

Caligrafia diferente.

Caneta diferente.

Frase igualmente curta e horrenda: "Eu sei".

Alguém sabia que Keka uivava. Um outro alguém. Quer dizer: não apenas um, mas DOIS jogadores haviam se cevado nas carnes tenras da sua Keka. E agora estavam espalhando para o time inteiro! Oh, Deus! O que ele faria? Sim, pois faria. E fez!

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